segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Oficina com Maurice Durozier (Teatre Du Soleil)


A convite dos Clowns de Shakespeare tive a oportunidade de fazer a oficina com Maurice Durozier ator do Teatre do Soleil (França). A oficina faz parte do projeto “Hamlet” dos Clowns e eles abrem mais uma vez seu espaço para alguns convidados da cidade, afirmando sua estética de teatro de grupo apostando na formação e criação pautada na troca e no intercambio entre artistas, onde suas experiências se tornam inspirações, sonhos e matérias.


A magia dos tecidos

Na oficina tivemos a oportunidade de vivenciar como se deu o processo de criação do Teatre Du Soleil na construção de Shakespeare com as obras Ricardo II e Henrique IV, espetáculo em que o Solei busca a estética dentro da cultura oriental mais precisamente no universo do Samurai e do teatro oriental. De inicio Maurice trabalhou a construção dessa figura (ator e samurai), o chapéu e o quimono criados a partir de tecidos e retalhos, tínhamos pouquíssimas roupas orientais, mas os tecidos e figurinos de outros espetáculos dos Clowns “caíram como uma luva” nas mãos de Maurice e o resultado foram fantásticas roupas orientais cheias de cores e formas. Esses figurinos foram o carro chefe da oficina, neles sentíamos a atmosfera e os estados do trabalho, serviam como um portal mágico para o lúdico onde nos tornamos crianças brincando de fazer e ser.


Espaço sagrado

Maurice trabalhou com total cuidado o espaço de criação, iluminação com ribaltas, contras e frentes, o linóleo com cinco caminhos, um pano de fundo vermelho, a coxia, o espaço dos guardas pretos (atores que faziam a contra-regragem) e um espaço para a música, cheio de instrumentos. Esse lugar se tornou totalmente criativo, me fazia sentir o público e parecia que antecipava meses e meses de montagem. Tornava o espaço sagrado.


Devorar o outro

A oficina foi um mergulho em matérias e tudo se tornava pré-texto, em meu diário nada além de tudo, todos os elementos em um único passo em uma única entrada, “estado”, prepare-se e manipule seu estado, respire a cena, sinta e mais que tudo devore o outro, se dê ao seu parceiro é no outro que encontro o meu caminho, é na imitação da vida que encontro minha matéria, nesse teatro ser objetivo é essencial, é um jogo “Rugby” eu preparo para o outro, protejo o outro, passo confiança e consigo a verdade do teatro que é uma mentira absoluta.


O que é que queres saber criatura?

Para encerrar Maurice fez uma conferência (aberta ao público) narrando sua vida de ator peregrino. Sua conferência me lembrou um livro que aconselho aqueles que querem aprender e ensinar “As Seis Lições de Boleslaviski” em que uma atriz iniciante encontra um mestre que lhe ensina de forma sublime seis lições básicas para a arte de ator. Na conferência realizada por Maurice, sua filha (interpretada por uma atriz), faz perguntas sobre seu oficio de ator e nós conhecemos um pouco da vida de Maurice Durozier e descobrimos um homem apaixonado, um peregrino de auroras e alvoradas, de sua cidade, de sua avó que era uma atriz errante, de uma viagem fantástica a Índia, das suas idas e vindas no Soleil, do artista de Happenings, da violência, da loucura e de todas as aflições, das máscaras e dos medos da carreira de um ator. Não seria bom descrever aqui suas experiências, tudo que peço é que se você tiver oportunidade de assistir a conferência de Maurice, corra não perca tempo, pois lá, de forma extrovertida e ritualística o tempo para.
Shakespeare. Ser mitológico do nosso teatro ocidental. Nunca tive oportunidade de vivê-lo (sempre fugi, talvez por medo), apenas em duas experiências em oficinas com o Clowns, uma com Ricardo III e agora o rei Ricardo II e Henrique IV. É no estudo que entendemos sua grandiosidade. E como a poesia e a critica se sobrepõe ao próprio texto. É muito louco, é lindo e não é para todos, acredito fielmente que o Grupo Clowns de Shakespeare escolheu seu caminho e vem seguindo com total clareza e maturidade, acredito demais em suas escolhas, as escolhas são difíceis espero que essa escolha seja trilhada cheia de obstáculos nada fáceis de serem ultrapassados, pois se fácil fosse, sentido algum teria. Muito obrigado aos Clowns e Fernando. Recordo em exercício de memória que enquanto estava em cena com os amigos Maurice disse que apenas poetas podem fazer Shakespeare, acho que alma de poeta é o que o grupo tem no nome, na força que os mantém juntos e na força que agrega novos componentes e esse mergulho em sua identidade é sem volta. Valeu mais uma vez “Poetas de Shakespeare”.